No sábado 30 de Janeiro lá vamos. Eu, pelo menos, vou. O meu voto não fará diferença, nenhum voto faz diferença e portanto quem achar que só valeria a pena incomodar-se se tivesse mais importância que os mais fica em casa. Mas eu não fico em casa porque a duna da democracia é maior se tiver mais grãos e eu gosto da duna – a duna protege.
Declaração de interesses: encaro os assuntos da Educação, como os de Religião ou Filosofia, com uma indiferença vizinha do tédio.
Não é que lhes rejeite importância; é que nem todos nos interessamos pelos mesmos assuntos. Há aí alguém que saiba duas ou três coisas sobre os Hititas, ou a forma como funciona um frigorífico? Pois é - eu sei. E como o saber ocupa lugar, ao contrário do que alega o dito popular, o comum de nós, se está inteirado das trincas e mincas do mundo do futebol, ou do nome dos filhos de Toni Carreira, ou da última obra genial dos escritores da moda, corre sérios riscos de não fazer a mínima ideia sobre os nossos, ou dos outros, clássicos menos conhecidos, ou História, ou Geografia; e qualquer especialista que não afecte parte do seu tempo ao que se chama cultura geral corre o risco de nem sobre a sua especialidade ter ideias claras.
Isto para cidadãos medianos, como este vosso criado. Aquela minoria que tem uma enorme biblioteca e uma quantidade de sinapses superior à média, como o filósofo da Marmeleira, pode sempre discretear com superioridade sobre o passado e o futuro, ainda que o excesso daquelas ligações nervosas possa provocar com frequência, como o próprio demonstra, curto-circuitos.
Mas o assunto do dia é o sistema de ensino secundário, a colocação de professores, o exame de perícia destes e a baderna dos sindicatos. E - que remédio! - um opinador contumaz tem por força que ter uma opinião. Ei-la:
Quanto ao sistema de ensino, uma parte da direita defende com unhas e dentes o cheque-ensino. Comecei por ser um céptico, e tenho vindo a deixar-me conquistar. Porém, julgo conhecer o meu país. E não tenho dúvidas que, se não houver exames universais, sobre programas obrigatórios, corrigidos por professores de estabelecimentos diferentes daqueles onde o ensino é ministrado, o que teríamos seriam fábricas de diplomas inúteis, compadrios e corrupções sortidas, com as universidades inundadas de gente que não deveria lá entrar, ainda em maior grau do que já sucede. E, por amor de Deus, que não se me venha falar da incompatibilidade entre o sistema público de ensino, que defendo (não sou, nisto, a favor da liberdade) e a natureza privada do estabelecimento: o privado paga impostos; o público gasta-os.
É que, se é razoável que todos tenham, por razões de solidariedade, assistência na doença, se a não puderem pagar, também todos devem ter assistência na ignorância, já não por razões de solidariedade mas de utilidade social - não há sociedades progressivas feitas de iletrados e ignorantes, o que justifica a gratuitidade do ensino obrigatório. O que não é a mesma coisa que defender uma formação universitária para todos, que só seria viável com abandalhamento do nível de formação e a custo proibitivo.
O Estado não tem dinheiro e as mulheres não parem - uma conjugação infeliz para os professores. Todo o conflito vem daqui: menos dinheiro e menos alunos. Daí os exames - despedir por despedir (ou não contratar), que sejam os menos competentes. O palavreado sobre avaliações e competências é porém moda e novilíngua: o Estado deixou degradar a qualidade do Ensino, para ficar bem nas estatísticas; e agora queixa-se de que tem professores, que formou, mas não sabem nada de nada. E esta moda não o é menos por, no ensino superior, de resto ridiculamente mal pago por comparação com o secundário, as avaliações fazerem parte da carreira: ensino universitário é, ou devia ser, uma coisa; e secundário outra. E, quando falo de competências, falo de competências científicas, não de competências pedagógicas - ninguém sabe ensinar aquilo que ignora.
Não vi o exame, apenas um curtíssimo excerto, aqui. Se esta for a tónica, temos a burra nas couves: por muito boas que sejam as capacidades de raciocínio, ninguém ensina Gramática, ou Literatura, ou História, ou Geografia, apenas com elas. Talvez alguma selecção seja melhor que selecção alguma nestes apertos, mas cabe perguntar se não poderia haver outro critério, ou conjunto deles, menos dependente de um teste que parece extraído de um qualquer exame de admissão a um MBA.
Quanto ao espectáculo deplorável dos abusos dos piquetes de greve, dos desacatos, da intimidação dos que se queriam submeter à prova, e das Avoilas e Mários Nogueiras residentes dia sim dia não nas pantalhas para debitar a agit-prop do PCP para o sector da Educação, seria tempo de menos, não mais, diálogo - não se dialoga em permanência com o inimigo, apenas com o adversário.
É isto o que a um paisano se oferece dizer. E, embora o assunto seja muitíssimo complexo, a discussão não deve estar reservada a especialistas. Estes informam, tecnicamente - e o cidadão decide.
Não tenho a pretensão de entender o que vai na cabeça de um comunista: por que razão acreditam que amputar do catálogo das liberdades a económica, com o cortejo de violências que são necessárias para reduzir e manter o cidadão na condição de empregado do Estado, desafia as minhas - reconheço - limitadas capacidades. Daí que compreenda tão bem o discurso do Sr. Arménio como o de um monge hare krishna.
Mas respeito a liberdade deles serem o que são e pensarem o que pensam: a liberdade é necessária para os que são diferentes de nós, não para os que são, no essencial, iguais a nós.
A minha tolerância, porém, acaba onde começa a estupidez e a desonestidade. E as declarações deste indivíduo, se não forem de má-fé, são simplesmente burras.
Parece que há algum patronato que adopta um comportamento culposo, porque "paga ao fisco (porque é crime fiscal) mas não paga aos trabalhadores, apesar de também ser considerado crime”.
Proença, Proença, mete nessa cabeça cheia de caspa por fora, e de lixo por dentro: nenhum patrão (salvo a quota de patifes que existe em todas as actividades) faz falir deliberadamente a sua empresa, se tiver meios de a salvar; o empresário que deixa atrasar os salários fá-lo quase sempre por não ter escolha, salvo encerrar; quando não há recursos para ocorrer a tudo, é não apenas humano mas razoável que se satisfaça primeiro quem pode causar maior dano; o privilégio do Estado só deveria ter cobertura de sanção criminal nos casos em que houvesse recursos disponíveis subtraídos deliberadamente àquele sócio ausente, predatório e lambão; muitas vezes a falta de recursos deve-se a falta de pagamento tempestivo do próprio Estado, à obrigação de entregar impostos que não foram cobrados, a dívidas de clientes ou ainda às dificuldades que tribunais e agências do Estado criam.
Queres fazer trabalho útil, Proença? Olha, compra por um Euro uma dessas empresas mal geridas que têm clientes, encomendas e viabilidade, mas que estão às portas da falência; recapitaliza-a (recursos não faltam - só o que os sindicatos cobram de quotas sem que sequer paguem aos associados os dias de greve já deve representar um apreciável pecúlio) na medida do necessário; contrata gestores com formação, coisa de que, diz-se, a maioria dos empresários carece dolorosamente; e dá o exemplo. Se quiseres ser realmente ambicioso, faz uma campanha junto dos trabalhadores não sindicalizados, para angariar novos sócios - meu Deus, que desparrame de dinheiro desaproveitado que está à espera de uma causa justa.
Ah, e no intervalo lava a cabeça - por dentro e por fora.
Todos transportamos connosco um ditadorzinho sempre alerta. E esse ser, nuns casos com mais, e noutros com menos, veemência, detesta certos hábitos, vícios, ideias sobre fiscalidade, política, leituras, gostos culinários, tiques, toilettes, maneiras de falar, o que seja, dos outros - ele detesta tudo isso e muito mais na exacta medida em que o isso seja diferente do que o define a ele.
É escusado: vivemos com este gnomo rabugento, que nos diz que os outros são ignorantes, burros, desonestos ou feios, têm mau gosto, vestem mal, são invejosos, não sabem exprimir-se e de maneira geral precisam ser admoestados ou disciplinados, em caso de necessidade com os rigores da lei.
Ao meu arranjei, por comodidade, um nome: é o Segismundo. E com ele tenho uma relação de alguma acrimónia que, com a idade, não tem registado apreciável melhoria. Detesta comunistas: acha que, em nome do mundo perfeito deles, começam por escavacar sem remédio o mundo dos outros, o que os desqualifica como adversários e os qualifica como inimigos; abomina a tropa fracturante da síntese entre a maior igualdade económica com a democracia burguesa, por lhe parecer uma contradição insanável; odeia - ó, como odeia! - estatistas travestidos de gente de esquerda democrática soft ou direita rigorosa, porque o Estado investidor, empresário, director, fiscal e father knows best que é o deles sufoca as forças criativas que julgam que não existem, via impostos, e desemboca fatalmente em corrupção, ineficiência, calote e geral atraso de vida.
O Segismundo não tolera a ASAE, a ERC, as empresas públicas, incluindo a TV, os impostos directos acima de um terço do rendimento, boa metade dos serviços públicos, por serem inúteis, demasiado caros, duplicados ou perniciosos; música popular (se for de protesto, então, tapa com as mãozinhas finas as orelhas pontiagudas), coca-cola, cozinha de autor e junk food; o Prof. Marcelo da cultura de Reader's Digest e das opiniões bem-pensantes; boa parte da literatura, música, artes plásticas ou arquitectura contemporâneas (também não conhece muito, coitado); vê com um olho desconfiado os sindicatos e as ordens; e a tudo isto soma uma extensa lista de embirrações, ódios de estimação e manias.
O Segismundo é assim, eu sou muito melhor: respeito genuinamente as opiniões dos outros, quer porque a elas têm direito quer porque já me aconteceu mudar de opinião; tenho amigos, e há gente que respeito, que estão nos antípodas das minhas convicções, gostos e inclinações; a controvérsia nem sempre me desagrada; de modo geral o mundo de hoje parece-me, a despeito das aparências, melhor do que alguma vez foi no passado; e não duvido que de uma maneira ou outra o nosso País sairá do buraco em que os líderes que escolhemos o enfiaram.
Mas isto, como disse Teresa Guilherme em palavras imorredoiras, agora não interessa nada.
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